Análise do Voto do Ministro Luiz Fux na AP 2668
Com extensão de aproximadamente 429 páginas e duração de cerca de 13 horas, o voto adota uma abordagem técnica e minimalista, priorizando a objetividade jurídica e rejeitando juízos políticos.
Análise do Voto do Ministro Luiz Fux na AP 2668 (10/09/2025)
O voto proferido pelo Ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), na Ação Penal (AP) 2668, em 10 de setembro de 2025, representa uma divergência em relação aos votos anteriores do relator Alexandre de Moraes e do Ministro Flávio Dino. Com extensão de aproximadamente 429 páginas e duração de cerca de 13 horas, o voto adota uma abordagem técnica e minimalista, priorizando a objetividade jurídica e rejeitando juízos políticos. Fux enfatiza o papel do STF como guardião da Constituição Federal de 1988 (CRFB/1988), exigindo prova concreta além de qualquer dúvida razoável (proof beyond a reasonable doubt), conforme jurisprudência consolidada (ex.: AP 676, Relatora: Min. Rosa Weber).
A análise a seguir consolida os elementos principais do voto, divididos em preliminares, exame dos crimes imputados, votos específicos por réu e conclusão. A estrutura segue princípios de clareza e densidade informativa, com base em extrações do documento integral, evitando resumos vagos e priorizando citações chave para transparência.
Preliminares Analisadas
Fux examina diversas arguições preliminares apresentadas pelas defesas, acolhendo algumas para fundamentar a nulidade processual. O raciocínio central reside na preservação das garantias constitucionais (art. 5º, LV, CRFB/1988) e no princípio do juiz natural, criticando o que denomina de “casuísmo” em mudanças jurisprudenciais recentes.
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Incompetência absoluta do STF: Argumenta que o foro por prerrogativa cessou para réus como Augusto Heleno e Paulo Sérgio Nogueira antes da instrução, com base na Questão de Ordem (QO) na AP 937 (2018). Rejeita a aplicação retroativa da QO no Inq 4787 (2025): “A aplicação da tese mais recente para manter esta ação no STF, muito depois da prática dos crimes, gera questionamentos sobre o casuísmo da medida.” (p. 25). Propõe remessa ao primeiro grau da Justiça Federal (art. 567, CPP).
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Incompetência da Primeira Turma: Defende julgamento pelo Plenário do STF (art. 5º, I, RISTF), dada a relevância do cargo presidencial, independentemente da Emenda Regimental nº 59/2023: “O Plenário do Supremo Tribunal Federal, instância de deliberação mais importante da mais alta corte do Poder Judiciário brasileiro, tem como missão julgar os ocupantes do cargo mais elevado e de maior relevância em nosso país.” (p. 37).
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Validade da colaboração premiada de Mauro Cid: Mantém o acordo homologado em 2023, valorizando sua contribuição (ex.: detalhes sobre reuniões golpistas), mas calibra benefícios: “É inegável que as informações fornecidas pelo réu Mauro Cid contribuíram para a elucidação dos crimes apurados nesta ação penal.” (p. 45). Rejeita anulação por omissões parciais.
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Cerceamento de defesa (data dump): Acolhe violação ao contraditório devido à juntada tardia de 80 TB de dados (equivalente a 44 bilhões de páginas), sem indexação adequada, em prazo exíguo de 5 meses: “Não houve tempo de analisar a prova. São milhares de documentos que nem sequer agora puderam ser analisados.” (p. 58). Invoca Súmula Vinculante 14 e tratados internacionais.
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Extensão da suspensão e prescrição: Considera o crime de organização criminosa como permanente, prolongando a consumação: “O crime permanente se diferencia de outros tipos penais, como o instantâneo e o instantâneo de efeitos permanentes, por uma característica fundamental: a sua consumação se prolonga no tempo.” (HC 191068 AgR, STF).
Outras preliminares incluem a separação funcional entre acusação e julgamento, exigindo denúncia individualizada (art. 41, CPP) e rejeitando o papel inquisitorial do juiz.
Análise dos Crimes Imputados
O exame meritório adota critérios estritos de tipicidade, dolo e nexo causal, rejeitando punição por cogitações ou atos preparatórios (princípio da lesividade). Fux aplica consunção e especialidade, priorizando provas concretas e afastando analogias expansivas (in malam partem).
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Organização Criminosa Armada (art. 2º, Lei 12.850/2013): Exige associação estável para crimes graves (pena > 4 anos), com divisão de tarefas e emprego de armas. Rejeita por ausência de permanência e prova de dolo: “A condenação pelo delito de organização criminosa exige que o acusado tenha o dolo de praticar uma série indeterminada de delitos, de modo estável e permanente, punidos com pena máxima superior a 4 anos.” (citando DE GRANDIS, 2023, p. 253).
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Tentativa de Abolição Violenta do Estado Democrático de Direito (art. 359-L, CP) e Golpe de Estado (art. 359-M, CP): Requer violência ou grave ameaça com início de execução. Absorve abolição pelo golpe (consunção): “Quando a abolição do Estado Democrático de Direito é perseguida por meio da deposição violenta de governo legitimamente constituído, deve-se responsabilizar o agente apenas pela sanção prevista no 359-M.” Rejeita dolo subsequente: “O conhecimento deve ser atual, ou seja, deve dar-se no momento da ação. Não existe um dolo subsequente.” (Heleno Fragoso). Discursos políticos, mesmo críticos, não tipificam (art. 359-T, CP).
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Dano Qualificado (art. 163, parágrafo único, I, III, IV, CP) e Dano a Bem Tombado (art. 62, I, Lei 9.605/1998): Subsidiário, absorvido por crimes mais graves. Prevalece a Lei 9.605/1998 por especialidade. Ausência de nexo causal e dolo nos eventos de 08/01/2023: “O crime de dano é, assim, um delito de caráter subsidiário, porquanto só é aplicado se a conduta não configurar um crime mais grave.”
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Omissão: Necessita posição de garante e possibilidade de ação: “Será necessário, ademais, que a existência ou a integridade do bem jurídico cujo perigo se criou permaneça efetivamente sob a guarda do omitente: sob seu controle pessoal.” (Mir Puig). Critica acusação por falta de dever jurídico.
Votos por Réu
A individualização das condutas é central, resultando em improcedência geral por insuficiência probatória (art. 386, VII, CPP). A tabela abaixo resume as decisões, com razões e citações.
Réu | Crimes Imputados | Decisão | Razão Principal | Citação Chave |
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Jair Messias Bolsonaro | Organização criminosa, abolição violenta, golpe de Estado, danos | Improcedente | Cogitações sem atos executórios; obstou ações golpistas. | “Pra que alguma coisa fosse feita, teria que ter uma ordem, e essa ordem tinha que vir com o presidente.” |
Mauro Cesar Barbosa Cid | Organização criminosa, abolição violenta, golpe de Estado | Parcialmente procedente (somente tentativa de golpe) | Ausência de associação duradoura; contribuição premiada validada. | “Não há qualquer prova nos autos de que o réu se uniu com mais de quatro pessoas…” |
Almir Garnier Santos | Organização criminosa, abolição violenta, golpe de Estado, danos | Improcedente | Atos preparatórios impuníveis. | “Antes de iniciada a execução do delito… não há crime a ser punido.” |
Walter Souza Braga Netto | Organização criminosa, abolição violenta, golpe de Estado | Improcedente | Ausência de provas concretas de execução. | - |
Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira | Danos | Absolvido | Sem nexo causal ou ordem para depredações. | “Não há qualquer prova nos autos de que o réu tenha determinado a destruição…” |
Augusto Heleno Ribeiro Pereira | Organização criminosa, abolição violenta, golpe de Estado, danos | Absolvido | Violação à ampla defesa; insuficiência probatória. | “Não há nenhuma prova nos autos de que a Abin tenha… monitorar o candidato eleito.” |
Anderson Gustavo Torres | Organização criminosa, abolição violenta, golpe de Estado, danos | Absolvido | Análise dividida sem prova de desígnios unitários. | - |
Conclusão
Fux julga improcedente a acusação para todos os réus, exceto condenação parcial de Mauro Cid e Walter Braga Netto por tentativa de abolição violenta (art. 359-L, CP). Enfatiza a gravidade dos fatos de 08/01/2023, mas rejeita responsabilidade genérica: “A gravidade do ocorrido não justifica uma acusação de responsabilidade genérica, sem a devida análise individual da conduta de cada um.” O voto reforça o Estado de Direito, limitando punições a condutas tipificadas e provadas, preservando a democracia sem excessos interpretativos.