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Governança Criminal no Brasil, 26% da população vive sob regras de facções

No Brasil, 26% da população (mais de 50 milhões) vive sob regras de facções, o maior índice da América Latina. O estudo revela avanço territorial dessas organizações, afetando segurança, serviços públicos e vida comunitária.

A Governança Criminal no Brasil: Análise do Estudo afirmando que 26% da População sob Influência de Facções

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I. Resumo Executivo

  • 📊 26% da população brasileira percebe viver sob influência de facções criminosas, maior índice na América Latina
  • 🔍 Governança criminal é fenômeno complexo, com coexistência tensa entre Estado e organizações criminosas
  • ⚠️ Repressão estatal pode fortalecer o poder das facções ao invés de enfraquecê-las

II. Conceito e Mensuração da Governança Criminal

  • ⚖️ Governança criminal é uma autoridade paralela que regula comportamentos em territórios específicos
  • 🤝 Estado e facções coexistem em uma “governança híbrida” com tensão e cooptação mútua
  • 📋 Estudo dos 26% baseia-se na percepção pública sobre quem exerce o poder local, não em controle territorial objetivo

III. O Mosaico Faccional do Brasil: Estrutura e Expansão

  • 📍 Existência de entre 53 e 88 facções, com destaque para PCC e Comando Vermelho (CV)
  • 🏢 PCC: organização hierárquica, empresarial, com forte controle em presídios e atuação transnacional
  • 🌎 CV e PCC têm presença em vários estados, com destaque para São Paulo e Rio de Janeiro

IV. Dinâmica Regional e Conflito Territorial

  • 🔥 Expansão para Norte e Nordeste aumenta violência, especialmente no Ceará, com alta taxa de homicídios
  • 🏙️ São Paulo (PCC) e Rio de Janeiro (milícias e CV) apresentam modelos distintos de controle territorial
  • ⚔️ PCC busca monopólio da violência com ordem; Rio tem disputa fragmentada com milícias e traficantes

V. Comparação dos Principais Atores Facção

  • 🗺️ PCC: 23 estados, estrutura rígida e empresarial, forte no tráfico de cocaína
  • 🔴 CV: 20 estados, estrutura descentralizada, foco em disputa territorial
  • 🛡️ Milícias (RJ): controle local, participação estatal, exploração de serviços básicos

VI. Políticas Públicas de Segurança: Diagnóstico

  • 🌍 Raízes sociais: desigualdade e falta de oportunidades alimentam o crime organizado
  • 🚫 Modelo de guerra às drogas é falho e fortalece facções dentro dos presídios
  • 🏛️ Sistema prisional funciona como centro de comando das facções

VII. Recomendações e Ações Governamentais

  • 📑 Propostas: Lei Geral de Proteção de Dados, comitê interministerial, fortalecimento do Coaf, regulamentação de criptoativos
  • 💸 Contradição entre recomendações e cortes orçamentários significativos na segurança pública em 2020
  • 📉 Programas como “CidadeSusp” têm foco em dados, mas sofrem com falta de financiamento estrutural

VIII. Perspectiva Comparada na América Latina

  • 🌎 Brasil lidera com 26% da população sob governança criminal percebida, enquanto média regional é 13%
  • 🇲🇽 México tem controle territorial militarizado por cartéis, Honduras com violência extrema por gangues
  • 🇨🇴 Colômbia apresenta modelo híbrido parecido com o Brasil, com coexistência Estado-facções

IX. Complexidade Única do Brasil

  • 🔄 Brasil combina sofisticação transnacional de cartéis com múltiplos grupos locais e milícias com participação estatal
  • ⚖️ Mistura de mercado financeiro ilícito e violência territorial configura desafio singular
  • 📈 Problema exige soluções coordenadas e multifacetadas

X. Conclusão e Perspectivas Futuras

  • ⚠️ 26% da população sob influência de facções indica grave crise de legitimidade do Estado
  • 🔄 Repressão isolada não resolve; é necessário investimento em políticas sociais e combate à corrupção
  • 🤝 Recuperar presença estatal e desarticular simbiose entre crime e política é essencial para reverter cenário

I. Resumo Executivo

O presente relatório técnico examina os achados de estudos recentes, com destaque para a pesquisa Latinobarómetro de 2020, que aponta que 26% da população brasileira percebe viver sob a influência de facções criminosas ou grupos armados.1 Este índice posiciona o Brasil na liderança do ranking na América Latina, superando o segundo colocado, Costa Rica, onde a percepção de controle criminal atinge 13% da população.1 A dimensão do problema e a sua particularidade no contexto regional demandam uma análise aprofundada que transcenda o dado superficial.

Este documento tem como objetivo investigar a definição de “governança criminal” utilizada pelos pesquisadores, a metodologia por trás da estimativa, a distribuição geográfica do fenômeno no Brasil, sua evolução histórica, as políticas públicas recomendadas e a posição do país em relação a nações vizinhas. A análise demonstra que a governança criminal não se manifesta como um simples vácuo de poder preenchido pelo crime, mas sim como um fenômeno complexo e multifacetado, enraizado em desigualdades sociais profundas e em uma dinâmica de coexistência tensa, e por vezes simbiótica, entre o Estado e as organizações criminosas. As evidências sugerem que a repressão estatal, ao invés de desmantelar, pode, em muitos casos, se tornar um catalisador para a consolidação e expansão do poder criminal.

II. O Conceito e a Mensuração da Governança Criminal

2.1. Definição Conceitual: Uma Governança Híbrida e Coexistente

A noção de “governança criminal” é frequentemente mal interpretada, sendo reduzida a uma mera ausência do Estado. No entanto, a literatura acadêmica e as pesquisas mais recentes oferecem uma perspectiva mais sofisticada. O conceito é amplamente definido como a capacidade de organizações criminosas de “impor regras e restrições ao comportamento” dos civis.2 Essa capacidade de regulação se manifesta como uma autoridade paralela à do Estado, exercendo poder sobre o território e a população, conforme observado em estudos de caso em favelas como o Complexo da Maré, no Rio de Janeiro.4

A dinâmica fundamental desse fenômeno não reside na ausência total do Estado, mas sim em uma complexa “governança híbrida”, onde o Estado e as organizações criminosas coexistem em um “modus vivendi tenso, mas estável”.2 A polícia, por exemplo, pode entrar nos territórios controlados por facções, mas raramente o faz para contestar a autoridade desses grupos de forma sustentada.2 Essa coexistência é alimentada por uma interação paradoxal: a repressão legal do Estado, em vez de enfraquecer o crime, atua como “a força propulsora que estrutura os próprios espaços do crime”, especialmente dentro das prisões e nos mercados ilícitos.7 A visão de que o crime prospera apenas onde o Estado é ausente ignora a negociação, a cooptação e até a simbiose entre atores estatais e criminosos que permitem essa coexistência. O problema não é a falta de presença, mas a falta de legitimidade e de um controle efetivo e permanente por parte do Estado. A atuação estatal, portanto, deve focar na desestruturação das redes de poder e corrupção que sustentam essa governança híbrida, além de restabelecer sua legitimidade perante a população, oferecendo segurança e serviços básicos que as facções não podem fornecer de forma legítima.

2.2. A Metodologia do Estudo dos 26% e a Percepção Pública

O dado de que 26% da população brasileira vive sob a influência de facções é um dos achados mais notáveis da pesquisa Latinobarómetro de 2020.1 A metodologia utilizada para chegar a este número se baseia em um

survey de opinião pública, com aproximadamente 20.000 entrevistas em 18 países da América Latina.8 O dado não é uma contagem literal, mas sim uma medida da percepção popular capturada pela pergunta-chave da pesquisa: “quem é que manda aqui?”.3 As respostas, que poderiam ser “a gangue, a mara, a milícia, a facção, o coletivo ou o cartel”, foram usadas para construir um modelo de regressão que avalia a “percepção de confiança política” na região.12

A importância desse resultado reside, portanto, em sua natureza subjetiva. A estimativa não mede o controle territorial objetivo do crime, mas sim a percepção do público sobre a legitimidade e a eficácia do Estado. O número de 26% é um sintoma da erosão da autoridade estatal, um indicativo de que um quarto da população sente que o poder real em seu bairro ou comunidade está nas mãos de grupos criminosos. Esta revelação é mais profunda do que um mero dado estatístico sobre o poder de fogo das facções; ela aponta para uma crise de confiança fundamental na capacidade do Estado de garantir segurança e dignidade para seus cidadãos. A pesquisa, ao invés de quantificar o crime, revela a desintegração do tecido social e a perda de confiança na instituição pública como provedora de ordem.

III. O Mosaico Faccional do Brasil: Estrutura e Expansão

3.1. Panorama Nacional: A Discrepância de Dados e a Hegemonia Transnacional

O mapeamento das facções criminosas no Brasil apresenta uma notável discrepância de dados entre diferentes fontes. Enquanto um estudo indica a existência de 72 facções 13, um relatório da Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen) aponta para 88 grupos 14, e um levantamento de 2021 contabiliza pelo menos 53 em atuação.16 Esta variação reflete a natureza fluida e a complexidade do crime organizado, bem como as distintas metodologias de mapeamento. No entanto, há um consenso sobre a hegemonia e o alcance das duas maiores facções do país: o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV).13 O PCC opera em 23 estados, enquanto o CV está presente em 20, com ambos os grupos possuindo tentáculos transnacionais.13

A estrutura do PCC, em particular, é notável. Fundado em 1993, dentro de um presídio em São Paulo, o grupo se expandiu para atuar como uma “mão invisível” no mercado do crime, regulando conflitos e impondo um “código de ética” conhecido como “proceder”.17 Com cerca de 35 mil membros em todo o país, dos quais 8 mil estão apenas em São Paulo, o PCC é uma organização rigidamente hierárquica e financeira, financiada principalmente pelo tráfico de drogas.17 A capacidade de atuação da facção se estende por mais de 90% dos presídios paulistas, e sua renda anual é estimada em centenas de milhões de reais.18

3.2. A Dinâmica Regional e o Conflito Territorial

3.2.1. A Expansão para o Nordeste e o Aumento da Violência

A expansão do PCC e do CV para as regiões Norte e Nordeste é apontada como a principal causa do aumento das taxas de homicídio nesses locais, que agora lideram o ranking de violência do país.13 Esse movimento não é um fenômeno isolado, mas sim parte de um processo de “faccionalização” do crime no Brasil.20 As redes faccionais transformaram a pequena criminalidade local, forçando grupos estabelecidos nos mercados ilegais a se filiarem ou a entrarem em confronto direto para resistir às investidas das grandes organizações.20

O caso do Ceará é um exemplo contundente dessa dinâmica. Após o rompimento da aliança entre PCC e CV, o estado presenciou um aumento significativo de homicídios dolosos, com a taxa de Fortaleza atingindo 87,9 por 100 mil habitantes em 2017.21 A violência, neste contexto, deixou de ser um mero reflexo do desvio social para se tornar uma ferramenta de mercado, uma manifestação da disputa por rotas de tráfico e controle territorial. O problema do crime no Brasil, portanto, tornou-se intrinsecamente ligado à geopolítica do crime organizado, com suas próprias regras, hierarquias e lógicas de poder que se sobrepõem à autoridade estatal.

3.2.2. O Cenário de São Paulo e Rio de Janeiro: Modelos de Controle Distintos

A análise da governança criminal em São Paulo e no Rio de Janeiro revela dois modelos distintos de controle. Em São Paulo, o PCC exerce uma hegemonia incontestável, com um controle rígido que se estende para 123 cidades do estado.22 Sua estratégia de poder é monopolística e empresarial, visando minimizar conflitos internos para maximizar o lucro, atuando como um “regulador” que impõe ordem e “justiça” local.17

Já o Rio de Janeiro apresenta um cenário de disputa territorial constante e fragmentada. Uma pesquisa indica que as milícias controlam 57,5% do território da capital, superando o domínio do tráfico de drogas, que atinge 15,4%.23 A dinâmica de conflito é complexa e envolve milícias, o Comando Vermelho (CV) e outras facções, com o CV sendo o grupo que mais conquistou territórios das milícias nos últimos sete anos.24 Enquanto o PCC de São Paulo busca o “monopólio da violência”, minimizando o conflito aberto, as milícias no Rio, que agem como máfias urbanas em simbiose com atores estatais, competem por território e serviços, gerando um ambiente de maior instabilidade e conflito contínuo.24 Essa diferença nos modelos de governança explica as distintas manifestações de violência e consolidação do poder criminal em cada estado.

A seguir, a Tabela 1 apresenta um panorama comparativo dos principais atores faccionais no Brasil.

Fatores de Comparação Primeiro Comando da Capital (PCC) Comando Vermelho (CV) Milícias (RJ)
Alcance Geográfico 23 estados do Brasil, transnacional 20 estados do Brasil, transnacional Principalmente no Rio de Janeiro
Origem e Estrutura Surgiu em presídio de São Paulo em 1993; estrutura rígida, empresarial e hierárquica Mais antiga facção do país; estrutura mais descentralizada Grupos paramilitares, muitas vezes com participação de agentes do Estado
Modelo de Governança Monopolístico, regula mercados e impõe “proceder” para manter a ordem e maximizar lucros Modelo mais competitivo, focado em disputa territorial e rotas de tráfico Controle territorial e exploração de serviços básicos (gás, internet, transporte) 23
Fontes de Renda Principalmente tráfico de cocaína, roubos e extorsões 17 Tráfico de drogas, roubos e alianças estratégicas 26 Extorsão, roubo de propriedade, grilagem de terras, monopólio de serviços 23

IV. Políticas Públicas de Segurança: Diagnóstico e Recomendações

4.1. Raízes Estruturais e a Falência de Modelos Anteriores

A ascensão da governança criminal no Brasil está intimamente ligada a fatores estruturais e à falência de modelos de segurança pública. O cenário de desigualdade social, a pobreza e a falta de oportunidades são apontados como elementos determinantes para o aumento da criminalidade.27 O crime organizado, ao prometer uma “vida fácil e farta”, preenche um vácuo social em um país onde os direitos básicos são “vergonhosamente violados”.21

O modelo de “guerra às drogas” tem sido consistentemente criticado como uma política falida globalmente.29 A ênfase na repressão e no encarceramento em massa não apenas falha em reduzir a demanda por substâncias proibidas, mas também fortalece as organizações criminosas dentro das prisões. O sistema penitenciário brasileiro se tornou o principal “quartel-general” das facções, servindo como ambiente ideal para recrutamento, comando de operações e consolidação de poder.30 As prisões, em vez de ressocializar, funcionam como “universidades do crime”, consolidando um ciclo vicioso onde a falência do Estado social empurra a população para a criminalidade, e a resposta repressiva do Estado fortalece a própria governança criminal que se pretende combater.

4.2. Recomendações e Ações Governamentais: Uma Análise Crítica

Diante do diagnóstico complexo, o estudo sobre segurança pública e crime organizado no Brasil sugere políticas que vão além da repressão tradicional.13 Entre as recomendações estão a aprovação de uma Lei Geral de Proteção de Dados para a Segurança Pública, a criação de um comitê interministerial para a pauta, o fortalecimento do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), e a regulamentação de criptoativos e apostas online para minar as fontes de faturamento das facções.13 Essas propostas reconhecem a natureza financeira e transnacional do crime.

Em resposta a esse desafio, o governo tem implementado programas como o “CidadeSusp”, que busca usar dados criminais e sociais para elaborar planos municipais de segurança pública e defesa social, tentando uma abordagem mais integrada.33 No entanto, a análise orçamentária revela uma contradição. O Ministério da Justiça e Segurança Pública sofreu cortes significativos em 2020, que atingiram a Polícia Federal, o Fundo Penitenciário Nacional e o Fundo Nacional de Segurança Pública.34 Embora o discurso político enfatize a “luta contra o crime”, a realidade orçamentária indica uma despriorização de políticas estruturais de longo prazo, em favor de ações que geram visibilidade, mas que, no longo prazo, não desarticulam o poder das facções.

A Tabela 2 ilustra a desconexão entre as recomendações de especialistas e as ações efetivas do governo em 2020.

Recomendação de Estudo Ação Governamental (2020) Fonte
Fortalecimento do Coaf e regulamentação de criptoativos Cortes de mais de R$ 2,29 bilhões na Polícia Federal, R$ 45,2 milhões no Fundo Penitenciário Nacional, e R$ 234 milhões no Fundo Nacional de Segurança Pública 34 13
Criação de um comitê interministerial Ausência de medidas para combater o subfinanciamento; foco em programas de visibilidade como o “CidadeSusp”, que dependem de dados para serem eficazes 33 13
Combate ao crime organizado financeiro Alocação de crédito suplementar para outras áreas, como seguro-desemprego, em decorrência da pandemia, o que limitou o espaço fiscal para segurança pública 35 13

V. Perspectiva Comparada: O Brasil na América Latina

5.1. O Brasil como Líder no Ranking de Governança Criminal

A pesquisa Latinobarómetro de 2020 destaca o Brasil como o país com a maior proporção de sua população (26%) que percebe viver sob a influência de grupos criminosos.1 Este dado é particularmente alarmante quando comparado a outros países da América Latina, onde a média regional de governança criminal percebida é de 13%.3 A Costa Rica, que ocupa o segundo lugar, registra a mesma porcentagem que a média regional, 13%.1 Essa diferença substancial demonstra a gravidade e a especificidade do problema brasileiro em relação à sua região.

A Tabela 3 apresenta um comparativo direto do ranking de governança criminal percebida.

País Percentual da População sob Governança Criminal (Percebida) Posição no Ranking
Brasil 26%
Costa Rica 13% 2ª (ao lado de outros países)
Média Regional 13% -

5.2. A Natureza Distinta do Problema em Outros Países

A liderança do Brasil no ranking se explica pela natureza particular e multifacetada do seu crime organizado, que combina elementos de diferentes modelos criminais da América Latina. O caso do México, por exemplo, é caracterizado por um controle territorial massivo e militarizado por parte de cartéis como o Jalisco Nova Geração (CJNG) e o de Sinaloa, que assediam 81% do território do país.36 A violência lá é uma ferramenta primária na disputa por poder. Em Honduras, a violência é exacerbada pela presença de “maras” e outras gangues, com o país sendo um dos mais violentos do mundo.37 Por outro lado, a Colômbia apresenta um modelo de “governança híbrida”, onde organizações criminosas e o Estado coexistem de forma a complementar suas ações, como observado durante a pandemia de COVID-19, quando grupos criminosos assumiram funções estatais, como a imposição de regras sanitárias.6

O Brasil não é uma simples cópia de nenhum desses modelos, mas sim uma síntese. Possui facções com a sofisticação e o alcance transnacional dos cartéis mexicanos (PCC, CV), mas também uma proliferação de grupos locais (cujo número exato é incerto) que exercem controle territorial mais semelhante ao das gangues centro-americanas. Adicionalmente, a dinâmica de coexistência com agentes estatais, como demonstrado pelo poder das milícias no Rio de Janeiro, aproxima o cenário brasileiro do modelo de governança híbrida da Colômbia. Essa complexidade única, que mistura a lógica do mercado financeiro e a violência territorial, torna o problema da governança criminal no Brasil particularmente desafiador e explica sua posição no topo da pesquisa.

VI. Conclusão e Perspectivas Futuras

A análise detalhada do estudo sobre governança criminal no Brasil revela um panorama complexo e multifacetado, que vai além da simples constatação de um vácuo de poder. A percepção de que 26% da população vive sob a influência de facções é um sintoma alarmante da perda de legitimidade do Estado, que não consegue mais ser percebido como a única fonte de autoridade e segurança.

A resposta a esse desafio não pode se limitar a políticas de repressão pontuais. As evidências demonstram que a política de “guerra às drogas” e o subfinanciamento do sistema de segurança pública apenas fortalecem as organizações criminosas, transformando as prisões em seus quartéis-generais. A expansão das facções para as diversas regiões do país, especialmente para o Nordeste, reconfigurou a violência de um fenômeno de delinquência comum para uma disputa estratégica por mercados e territórios.

Para reverter este quadro, é imperativo que o Estado brasileiro adote uma abordagem mais sofisticada e coordenada. As recomendações do estudo, focadas em inteligência financeira, regulamentação de criptoativos e o fortalecimento de mecanismos de controle, são cruciais. No entanto, é fundamental que essas medidas sejam acompanhadas de um compromisso orçamentário e político que transcenda o discurso e se concretize em ações efetivas de longo prazo. O combate à governança criminal exige não apenas o uso da força, mas também a recuperação da presença estatal nas áreas sociais, abordando as raízes da desigualdade e da falta de oportunidades que alimentam o recrutamento e o poder das facções. Sem um esforço para restaurar a legitimidade do Estado e desarticular a simbiose entre o crime e a política, o problema da governança criminal no Brasil tende a se aprofundar.

Referências citadas

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  2. Governança criminal na América Latina em perspectiva comparada: Apresentação à edição especial - Redalyc
  3. Apresentação à edição especial Governança criminal na América Latina em perspectiva comparada - SciELO
  4. Tipos de governança criminal: Estudo comparativo a partir dos …
  5. Tipos de governança criminal: Estudo comparativo a partir dos casos da Maré - Redalyc
  6. Organizações Criminosas e Governança Híbrida na América do Sul: O contexto da COVID-19 - SciELO
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  9. [Percepções públicas da política e suas implicações para as respostas à COVID-19 na América Latina e no Caribe United Nations Development Programme](https://www.undp.org/pt/brazil/news/percepcoes-publicas-da-politica-e-suas-implicacoes-para-respostas-covid-19-na-america-latina-e-no-caribe)
  10. (PDF) Governança Criminal na América Latina em Perspectiva
  11. Governança criminal na América Latina em perspectiva comparada: Apresentação à edição especial - Visor Redalyc
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  22. PCC atua em 123 cidades paulistas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU
  23. Milícias controlam 57% do território da cidade do Rio de Janeiro, diz pesquisa - CNN Brasil
  24. Comando Vermelho é o grupo armado que mais conquistou territórios no RJ, diz instituto
  25. MILÍCIAS E GOVERNANÇA URBANA NO RIO DE JANEIRO
  26. Comando Vermelho – Wikipédia, a enciclopédia livre
  27. RAÍZES HISTÓRICAS DA CRIMINALIDADE NO BRASIL: DESIGUALDADE, VIOLÊNCIA E IDENTIDADE - Revista Tópicos
  28. o crescimento das facções criminosas e o aumento da violência na região norte do brasil
  29. Disseminação de facções tem impacto profundo na violência geral, diz pesquisadora
  30. Conflito entre facções criminosas brasileiras entre 2016 e 2020 – Wikipédia
  31. O DOMÍNIO DAS FACÇÕES CRIMINOSAS NOS PRESÍDIOS BRASILEIROS E O CASO DA CHACINA DE ALTAMIRA/PA COMO REFLEXO DESSA REALIDADE - OJS CNMP
  32. O domínio das facções nos presídios brasileiros: desafios e perspectivas para a segurança pública The dominance of gangs i - Dialnet
  33. Políticas públicas de combate a criminalidade: 20 municípios aderem ao programa CidadeSusp - Portal Gov.br
  34. Orçamento 2020: corte de R$ 3,8 bilhões no Ministério de Moro - Jornalistas Livres
  35. Proposta altera Orçamento de 2020 para cobrir gasto extra de R$ 3,8 bi no seguro-desemprego - Notícias - Câmara dos Deputados
  36. Narcomapa 2024: qué cárteles tienen mayor presencia en México - Infobae
  37. [World Report 2024: Honduras Human Rights Watch](https://www.hrw.org/world-report/2024/country-chapters/honduras)
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